Cristianismo - Agostinho e Tomás de Aquino


Ao morrer no século I, João, o último dos apóstolos, termina a era apostólica e a responsabilidade pela divulgação da obra de Cristo passou às mãos de um novo corpo doutrinário denominado Patrística. O título “Pai”, tem origem na reverência que os cristãos tinham pelos bispos dos primeiros séculos, que a estes assim respeitosamente chamavam devido ao amor e zelo que tinham pela manutenção e identidade da Igreja. Mais tarde Gregório VII reivindicou com exclusividade o termo “PAPA”, ou seja, “Pai dos pais”. Os primeiros pais da igreja vão produzir e orientar a literatura cristã entre os séculos II e VIII, sendo os responsáveis pelo encaminhamento do povo de Deus daquela época e a teologia que elaboraram até hoje exerce grande influência na Igreja. Os maiores nomes desse período foram Santo Ambrósio, São Jerônimo, o tradutor da Bíblia para o latim, e Santo Agostinho, este considerado o mais importante filósofo em toda a Patrística.


Aurelius Augustinus (354-430), Santo Agostinho como ficou conhecido, nasceu em Tagasta, pequena cidade africana da Numídia, atual Tunísia, no dia 13 de novembro de 354. Seu pensamento considera a filosofia platônica como solucionadora do problema da vida, à qual só o cristianismo poderia fornecer uma resposta. Todo o seu interesse central está, portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma. Ele acreditava serem estes, naquele momento temporal da humanidade, os mais importantes e os mais imediatos para a solução integral do problema da vida. Os principais problemas tratados por Agostinho em suas obras foram as relações entre a fé e a razão, a natureza do conhecimento, o conceito de Deus e da criação do mundo, a questão do mal e a filosofia da história.

Sua principal obra foi Cidade de Deus (De civitate Dei contra paganos (413–426/427)), que compreende 22 livros. Sua origem é uma resposta ao reclamos dos habitantes pagãos de Roma (Capital do mundo romano). Através de um édito em 391, o Imperador romano Teodosius I, define o culto cristão como o único a ser praticado pelo povo romano. Porém a invasão e pilhagem de Roma por Alarico, líder dos soldados germânicos, portanto bárbaros aos olhos romanos, em 410, levantou uma revolta entre os romanos não cristãos. Para eles a invasão bárbara era uma resposta dos deuses pagãos pelo abandono de seu culto pelo povo e talvez o Deus Cristão não era tão poderoso para impedir tamanha barbárie. Para evitar uma onda contrária ao ideal cristão, Agostinho escreve Cidade de Deus, uma cidade eterna e imortal apontada por Cristo na cruz, como a verdadeira cidade que um cristão deveria buscar para a morada eterna, e não a cidade terrestre, perecível e submetida às forças das ambições humanas. Mais do que uma simples defesa do cristianismo, Agostinho queria atrair os pagãos para a causa do cristianismo, analisa as teorias pagãs e platônicas e contrói a Cidade de Deus em contraposição à perecível Cidade dos Homens.
Com isso, surge a concepção de que a Lei de Deus (Lex Aeterna) é a esfera maior, estando acima da Lei Natural (Lex Naturalis) e da Lei dos Homens (Lex Humana). Logo, o Papa, na condição de representante de Deus, seria a maior autoridade da época e o responsável pela implantação da “Cidade de Deus” na terra. Essa teoria influenciou de maneira predominante os povos ocidentais até o século XI, e, de certa forma, criou um conflito de interesses entre os políticos (detentores do poder secular) e as altas hierarquias eclesiásticas (detentores do poder espiritual).

Contraditoriamente, os políticos que, no início do século V, precisaram do poder de persuasão que o cristianismo exercia sobre o povo para facilitar a governabilidade e, por conseguinte, a manutenção do poder, apoiaram a teoria Agostiniana difundida em sua obra “Cidade de Deus”, porém, com o passar dos séculos, perceberam que essa teoria que lhes foi útil, estava, na verdade, sobrepondo a autoridade da Igreja sobre a autoridade dos governantes, algo que se constituía em uma ameaça poderosa e de difícil enfrentamento, pois contra ela não adiantaria a utilização de força bélica, nem, tampouco, das Leis dos Homens, mas sim de uma força mais poderosa, a do pensamento humano, qual seja a construção de uma nova teoria que devolvesse às Leis produzidas pelos homens o respeito e a eficácia necessários para a manutenção da ordem e, obviamente, do poder nas mãos da nobreza.

Diante deste cenário, no século XII, começam a surgir, na Europa, as Universidades e uma nova corrente de pensamento, denominada “Escolástica”, cuja linha de raciocínio baseava-se no pensamento Aristotélico e que teve, como seu principal pensador, São Tomás de Aquino, nascido em 1.225, no castelo de Roccasecca, na Campânia (Itália), da família feudal dos condes de Aquino. Foi chamado “o mais sábio dos santos e o mais santo dos sábios”. Recebeu a primeira educação no grande mosteiro de Montecassino, passando a mocidade em Nápoles como
aluno daquela universidade. Depois de ter estudado as artes liberais, entrou na ordem dominicana, renunciando a tudo, salvo à ciência.
Seu maior mérito foi a síntese do cristianismo com a visão aristotélica do mundo, introduzindo o aristotelismo, sendo redescoberto na Idade Média. A partir dele, a Igreja tem uma teologia (fundada na revelação) e uma filosofia (baseada no exercício da razão humana) que se fundem numa síntese definitiva: fé e razão, unidas em sua orientação comum rumo a Deus. Sustentou que a filosofia não pode ser substituída pela teologia e que ambas não se opõem. Afirmou que não pode haver contradição entre fé e razão. Explicou que toda a criação é boa, tudo o que existe é bom, por participar do ser de Deus, o mal é a ausência de uma perfeição devida e a essência do mal é a privação ou ausência do bem.
Argumentou que com o uso da razão seria possível demonstrar a existência de Deus, para isto propôs 5 vias de demonstração, quais sejam:
1) Primeiro Motor Imóvel: Tudo o que se move é movido por alguém, é impossível uma cadeia infinita de motores provocando o movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente, logo há que ter um primeiro motor que deu início ao movimento existente e que por ninguém foi movido.
2) Causa Primeira: Decorre da relação "causa-e-efeito" que se observa nas coisas criadas. É necessário que haja uma causa primeira que por ninguém tenha sido causada, pois a todo efeito é atribuída uma causa, do contrário não haveria nenhum efeito pois cada causa pediria uma outra numa sequência infinita.
3) Ser Necessário: Existem seres que podem ser ou não ser (contingentes), mas nem todos os seres podem ser desnecessários se não o mundo não existiria, logo é preciso que haja um ser que fundamente a existência dos seres contingentes e que não tenha a sua existência fundada em nenhum outro ser.
4) Ser Perfeito: Verifica-se que há graus de perfeição nos seres, uns são mais perfeitos que outros, qualquer graduação pressupõe um parâmetro máximo, logo deve existir um ser que tenha este padrão máximo de perfeição e que é a Causa da Perfeição dos demais seres.
5) Inteligência Ordenadora: Existe uma ordem no universo que é facilmente verificada, ora toda ordem é fruto de uma inteligência, não se chega à ordem pelo acaso e nem pelo caos, logo há um ser inteligente que dispôs o universo na forma ordenada.

Quanto à discussão que naquela época punha em confronto a nobreza e o clero, qual seja aquela acerca da Lei humana, da Lei natural e da Lei divina, São Tomás de Aquino defendeu em suas obras que a Lei Eterna (Lex Aeterna), que representa a vontade de Deus, estaria acima de todas as outras, estando abaixo dela a Lei Natural (Lex Naturalis), que reflete a revelação da Lei Eterna através da natureza, e a Lei Divina (Lex Divina), que chega aos homens pela revelação através das escrituras sagradas. A Lei Humana (Lex Humana), deriva da Lei Natural e contém os princípios necessários para a regulação da conduta dos homens. Para ele, um pecado contra a Lei Natural é aquele que viola a ordem natural das coisas.

São Tomás de Aquino afirmou, ainda, que, por ser racional, o homem conhece a lei natural, ou seja, está plenamente capacitado para saber que “se deve fazer o bem e evitar o mal”. Trata-se da participação da lei eterna pelo homem dotado de inteligência. A lei eterna outra coisa não é senão o plano racional de Deus, isto é, a ordem existente no universo todo. Por esta lei dirige tudo para o seu fim específico. A lei humana ou jurídica é a ordem promulgada por quem tem a responsabilidade pela comunidade. Seguindo Aristóteles, Tomás de Aquino considera o Estado como uma necessidade natural. É que o homem é um ser social e precisa de orientações para viver em sociedade. Entretanto, Tomás de Aquino deixa claro que as leis humanas não podem contradizer a lei natural. Aliás, no pensamento dele as normas do direito positivo existem para que os que são propensos aos vícios e neles se obstinam sejam persuadidos, a bem da ordem pública, a evitar tais desvios. Insiste Tomás de Aquino na função pedagógica das leis humanas e nas sanções que podem e devem incluir. O objetivo é a convivência pacífica entre os homens. Essa nova visão, formulada e defendida por Tomás de Aquino, um dos principais nomes da Igreja, na medida em que destaca a importância do respeito às leis dos homens, dá um novo fôlego à Igreja e melhora o relacionamento desta com as Monarquias.

Fontes:
Agostinho, Santo. Solilóquios. Editora Escala.
http://www.olivro.com/images/agostinho.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/aquino.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_de_Aquino
http://www.philosophy.pro.br/lei_natural_divina.htm

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Reflexão:
Nos dias atuais, podemos dizer que as religiões ainda exercem o papel de mecanismo de controle social?
Países como o Brasil, que constitucionalmente se assumem neutros em matéria religiosa (laico), ao discutir questões como o aborto, as pesquisas com células tronco, a educação sexual dos jovens, o uso de contraceptivos etc., deixam-se influenciar pelos dogmas religiosos?

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